segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O SOPRO AUSENTE...

"Teu rosto estende-se como o sopro ausente
destas tardes litorais,
o inocente abandono,
a uma morte capaz de calar a própria morte.
Estou sem tempo nem tempo,
à espera de ti que não virás,
e há o mar, uma esplanada
de mesas verdes no centro da vila,
o travo amargo de um gin tónico
logo pela manhã.
Assim se recusa o milagre fugaz
que não quero nomear,
uma ave demorando-se no crepúsculo
jovem da minha idade fustigada pelo vazio.
Por ti cedo à tentação e à vergonha
de uns versos tão inúteis como amar-te.
Entretanto, o meu corpo vai vacila
talvez nas esquinas demasiado brancas destas ruas,
arrasta-se por tabernas de pescadores
em busca de um inferno menos cruel.
Mas nada equivale ao olhar distante
com que trucidas o meu mais puro silêncio.
Sei destes naufrágios,
uma espécie de coração errando nos dias.
Não, não há consolo maior do que a fúria incontida
de beber até que nenhuma gota de álcool reste no mundo
- enevoar com raiva e paixão
a certeza de te perder sem te ter tido..."
(Manuel de Freitas)

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