segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

PERDI O MUNDO...

"Usamos a dois:
estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão,
lençóis de linho e uma cama.
Um enxoval de palavras, de gestos,
trazidos, utilizados, gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio.
Dissemos. Fizemos.
E estendemos sempre a mão.
Apaixonei-me por Invernos,
por um septeto vienense e por Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha,
uma praia e uma cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido
e senti devoção perante um nada,
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.
De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança,
o meu cabelo tinha a sua cor mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.
Não te perdi a ti, perdi o mundo..."
(Ingeborg Bachmann)

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